Eram aqueles olhos pisados lacrimejantes e vermelhos que tão bem conhecia. O lápis e o delineador muito longe de contornarem os olhos, àquela altura apenas delimitavam pseudo-hematomas no canto da face. Não fosse todo aquele álcool podia jurar que era até bonita, ou talvez exatamente pelo efeito dele, parecesse absolutamente linda.
Sempre desconfiava de pessoas lindas. Homens, mulheres, fossem o que fossem não tinha como confiar em alguém que não conhecia a dor de ter que desenvolver as outras habilidades da convivência humana. Ser simpática, sorrir, vestir-se bem, fazer piadas nos momentos adequados e parecer inteligente. As vezes pensava que talvez de fato conseguiria ser realmente inteligente se não perdesse tanto tempo tentando parecer que era.
Mas olhando bem, assim bem de perto, o que incomodava mesmo não era o nariz, que em alguns meses e um pouco mais de coragem iria se concertar com a plástica, mas aquelas sobrancelhas curtas de mais, como se não aguentassem segurar todo o mistério.
Nunca tinha sido boa com mistérios, a ansiedade sempre fazia estragar tudo. Não aguentava principalmente aquele mistério do "final feliz" e preferia acreditar na certeza de que ele não viria. Era uma forma de jamais ter de admitir que, pela primeira vez, não estragou a surpresa, fingindo já saber e ainda assim podendo ser surpreendida. Na verdade era o que mais queria, que a felicidade surpreendesse. Estava cansada daquela falta de movimento que não permitia nem ficar triste, se tinha os olhos vermelhos era do cansaço e das lentes de contato.
As lágrimas tinham ido embora, alguns meses depois do Pedro ter ido também...e o Rafael, e o Bruno, e o Lucas, e o Marcos...como se cada um tivesse levado de recordação apenas uma lagrima, mas já tinha dado tantas que não sobrou mais pro resto da vida... até o Cizenio tinha levado as dele, imagine só com esse nome, e aquele papo do clarinete, bem que merecia o reembolso das lagrimas levadas.
Pensando bem não era assim tão mal...talvez antes do nariz pudesse mesmo colocar uns peitos. É definitivamente seriam os peitos. Bom mesmo seria poder fazer tudo de uma vez. Se bem que melhor seria guardar tudo e viajar; talvez comprar aquelas almofadas coloridas pro sofá branco, mas principalmente viajar.
Era triste ter que admitir o quanto realmente agradava a ideia da fuga, julgava forte os que ficavam, os que viviam com seus demônios ali na redondeza, todo dia, acordando cedo, pagando contas, levando chutes. Mas que raios, porque não podia conviver com os demônios em Madrid? Leva-los pra passear de repente? Com certeza assim seria fácil ser forte.
E pra que toda essa força? Eles nem reparavam... tinha certeza que o melhor eram as dondocas, todo homem gostava de um sexo frágil. Sexo... se bem, de que adiantava, ninguém nem reparava, com aqueles olhos vermelhos ainda pra ajudar, e esse cabelo curto;a merda da moda é que ela vai embora antes dos fios terem tempo de crescer, e além do mais...
Cinco de manhã e amanhã começava tudo de novo
A primeira coisa seria comprar um colírio
" Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho"