sábado, 20 de agosto de 2011

Todo mundo nu

Se cada um de nós é pelo menos 3 ou 4 de nós, sinto informar que há um grupo de eu triste por ai.

A da casa tá cansada da tensão peri-hospital, peri-reforma, do dia-a-dia-filha-mais-velha (com ou sem hifens e tudo junto), que tudo sabe, nada é poupada, que mais ainda enxerga, que se envolve em toda a alma e no entanto sendo só a segunda prateleira da árvore genealógica nada pode fazer além de torcer, rezar e continuar enxergando tudo melhor que as outras prateleiras.

A da medicina anda obcecada por currículos. papeis, gráficos, dados, palestras, provas, e todo tipo de pseudo-ciência que muito envolve do "saber" e pouco acrescenta da essência do que realmente, e provavelmente, é a medicina. Longe dos pacientes e perto das doenças, longe, muito longe de ser tudo aquilo que eram os sonhos, bem perto da mediocridade.

A dos espíritos está esperando que o apocalipse venha a porta e diga "e ai, qual que é?" pra voltar a estudar (essa sim, uma das verdadeiras sabedorias), se dedicar, e arrumar toda a bagunça que devem estar esses outros planos ( a saber pela medida dos sonhos que a dos espíritos anda tendo).

Ainda tem a das poesias que anda com os olhos cheios de lágrima, molhando paginas por ai, a do time que anda tão desapontada, a das músicas que nunca mais se ouviu, a do amor, tão desesperadoramente aborrecida de tudo que anda vendo, sentindo, cheirando e ouvindo que deixou só a ausência de lembrança.


"Tudo somado, devias,
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho" - C.D. Andrade




segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Lupus Like

Não era a vagabundagem do seu pseudo-intelectualismo, não era a corcunda derrotista precipitada, não era a falta de dinheiro nos bolsos, não era aquele radicalismo contra o sistema que apenas justificava a derrota sem, no entanto, jamais aproxima-lo da vitória, não eram os olhos baixos e tristes e suplicantes, não era a falta de fé, não era todo aquele sarcasmo machucado da vida, mas aquela cara de lobo. Os pelos na cara, as manchas avermelhadas no rosto, o cabelo mal penteado e todo aquele aspecto, sem outra definição me atenho a repetição, de lobo! Era o lobo quem me irritava constantemente.
Porque o lobo desmentia tudo. Não era possivel ser um acomodado bonzinho E com cara de lobo. Lobos não eram derrotados precocemente, não tinham descrenças na vida porque sempre foram os lobos que a comandaram.
O mundo não tinha espaço para suplicas, para truques de sorte do destino, para reviravoltas bem vindas, apenas para trabalho, malandragens, ambições e lobos.
E ali na minha frente havia um lobo derrotado. A antíteses de todos os preceitos, ali estava o lobo ferido e acuado me pedindo carinho como fuga de toda aquela sabotagem da vida. No inicio me rendi aos olhos pidões e tristes.
Mas pelo por pelo no rosto que eu ia achando, cada marca bexiguenta na cara que eu identificava, comecei a identificar o lobo e pesando cada atitude e cada momento eu não via mais meu coitadinho, a pessoa derrotada pela vida, mas eu via os dentes na minha direção, e eu a presa, pronta pra muda-lo em lobo, de uma vez pra sempre.
Foi entao que fugi e deixei-o largado sozinho. Mais um golpe da vida, nessa vida já tão arranhada, mas ninguém nunca mandou nascer com cara de lobo


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Dos olhos vermelhos

Eram aqueles olhos pisados lacrimejantes e vermelhos que tão bem conhecia. O lápis e o delineador muito longe de contornarem os olhos, àquela altura apenas delimitavam pseudo-hematomas no canto da face. Não fosse todo aquele álcool podia jurar que era até bonita, ou talvez exatamente pelo efeito dele, parecesse absolutamente linda.
Sempre desconfiava de pessoas lindas. Homens, mulheres, fossem o que fossem não tinha como confiar em alguém que não conhecia a dor de ter que desenvolver as outras habilidades da convivência humana. Ser simpática, sorrir, vestir-se bem, fazer piadas nos momentos adequados e parecer inteligente. As vezes pensava que talvez de fato conseguiria ser realmente inteligente se não perdesse tanto tempo tentando parecer que era.
Mas olhando bem, assim bem de perto, o que incomodava mesmo não era o nariz, que em alguns meses e um pouco mais de coragem iria se concertar com a plástica, mas aquelas sobrancelhas curtas de mais, como se não aguentassem segurar todo o mistério.
Nunca tinha sido boa com mistérios, a ansiedade sempre fazia estragar tudo. Não aguentava principalmente aquele mistério do "final feliz" e preferia acreditar na certeza de que ele não viria. Era uma forma de jamais ter de admitir que, pela primeira vez, não estragou a surpresa, fingindo já saber e ainda assim podendo ser surpreendida. Na verdade era o que mais queria, que a felicidade surpreendesse. Estava cansada daquela falta de movimento que não permitia nem ficar triste, se tinha os olhos vermelhos era do cansaço e das lentes de contato.
As lágrimas tinham ido embora, alguns meses depois do Pedro ter ido também...e o Rafael, e o Bruno, e o Lucas, e o Marcos...como se cada um tivesse levado de recordação apenas uma lagrima, mas já tinha dado tantas que não sobrou mais pro resto da vida... até o Cizenio tinha levado as dele, imagine só com esse nome, e aquele papo do clarinete, bem que merecia o reembolso das lagrimas levadas.
Pensando bem não era assim tão mal...talvez antes do nariz pudesse mesmo colocar uns peitos. É definitivamente seriam os peitos. Bom mesmo seria poder fazer tudo de uma vez. Se bem que melhor seria guardar tudo e viajar; talvez comprar aquelas almofadas coloridas pro sofá branco, mas principalmente viajar.
Era triste ter que admitir o quanto realmente agradava a ideia da fuga, julgava forte os que ficavam, os que viviam com seus demônios ali na redondeza, todo dia, acordando cedo, pagando contas, levando chutes. Mas que raios, porque não podia conviver com os demônios em Madrid? Leva-los pra passear de repente? Com certeza assim seria fácil ser forte.
E pra que toda essa força? Eles nem reparavam... tinha certeza que o melhor eram as dondocas, todo homem gostava de um sexo frágil. Sexo... se bem, de que adiantava, ninguém nem reparava, com aqueles olhos vermelhos ainda pra ajudar, e esse cabelo curto;a merda da moda é que ela vai embora antes dos fios terem tempo de crescer, e além do mais...
Cinco de manhã e amanhã começava tudo de novo
A primeira coisa seria comprar um colírio



" Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho"